Quando vier a primavera

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Woman With A Parasol - Madame Monet And Her Son (1875),  Claude Monet

O que for, quando for, é que será o que é — disse-o Caeiro.

O que for é o que há de ser quando, no devido tempo, se tornar.

Não é isto o determinismo fatalista das tragédias sofoclianas, nem mesmo o fatalismo cósmico de divindades ególatras.

É o ser crisálida que a lagarta carrega em si.

É a natureza da verdura primaveril, cheia, cheia, das copas das árvores, que farfalham, que ciciam, que sibilam brandamente à ária dos zéfiros noturnos, que carregam em si mesmas, mesmo no outono cru e desnudo.

É a morte do poeta que não torna menos real a realidade das coisas que em si mesmas já são.

***

O que for é o que há de ser quando, no devido tempo, se tornar.

Mas quando vier a primavera, se eu já não estiver morto, viverei contente porque ela chegaria antes de minha morte.

A jovialidade alegre da estação irromperia pelos espaços meio-tristes, meio-vagos de minha alma num allegro bethoniano de expansibilidade vital.

Em meu jardim outrora ressequido, amaria uma rosa, a que primeiramente nele desabrochasse e retribuísse com o espiralar fragrante de suas pétalas às regas contínuas que a daria.

Mas se for de minha vida o mote morrer antes da primavera, também morro contente porque depois do rio Estige há uma eterna e mais perfeita primavera.

O que for é o que há de ser quando, no devido tempo, se tornar.

Prosa inspirada no poema de mesmo nome, de Fernando Pessoa.

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Escrever é, antes de tudo, o abstracionismo dos pensamentos, das alegrias, dos lamentos e todos os sentimentos que transpassam a alma humana. É o transbordar filosófico e poético dos mares do pensamento.

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