Sobre a necessidade moderna de reaprender a aprender

segunda-feira, 5 de julho de 2021

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Os tempos são líquidos porque, assim como a água, tudo muda muito rapidamente. Na sociedade contemporânea, nada é feito para durar. — Zygmunt Bauman

Que o conhecimento é importante, disso todos sabem. Foi através da capacidade humana de adquirir e transferir conhecimento para as gerações seguintes que chegamos até onde estamos agora. Essa capacidade inata do ser humano é uma das coisas que nos caracterizam como seres inteligentes. Contudo, temo que o conhecimento, assim como as demais coisas na filosofia de Bauman, esteja perdendo seus fundamentos e se liquefazendo para se moldar à uma vã necessidade de urgência do homo digital.

Nestes tempos líquidos onde tudo flui em velocidades cada vez mais próximas a da luz, o homem comum se adaptou ao avanço das novas tecnologias que só foram capazes graças a solidez na transferência do conhecimento das gerações anteriores e passou a delegar às máquinas a função cognitiva da memória. Já não há mais uma necessidade de investigar a razão de ser das coisas e de observar o mundo ao redor para extrair, processar e armazenar novas informações no cérebro humano. Tudo está a um gélido toque de distância.

A tecnologia é o fruto do progresso científico da humanidade. É o produto da evolução do conhecimento humano através das gerações. É o resultado dos processos biológicos de um organismo vivo que habita a transcendentalidade do tempo.

A tecnologia é neutra em si mesma. O que a torna nociva para a humanidade é a forma como esta usufrui daquela. Contudo, o que podemos constatar nestes tempos líquidos é que as novas gerações têm dedicado muito de suas horas diárias usando a tecnologia para fins de aquisição de conhecimento superficial e entretenimento barato o que as têm tornado gerações de cretinos e preguiçosos para tarefas cuja necessidade do aprendizado não pode ser suprida rapidamente.

"[...] os 'nativos digitais' são os primeiros filhos a ter QI inferior ao dos pais. É uma tendência que foi documentada na Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda, França, etc." — Michel Desmurget, neurocientista em entrevista à BBC

Tal comodismo intelectual tem deixado as pessoas cada vez mais inertes diante de seus afazeres, transformando-as em agentes passivos que aguardam uma ordem externa para lhes dizer o que e como executar tarefas simples no dia-a-dia, sobretudo no trabalho.

A proatividade já não é mais uma virtude de muitos. É raro encontrar alguém que apresente um problema e tenha pensado em uma possível solução. A cultura moderna da liquidez das coisas liquefez também os sólidos alicerces do aprendizado, pregando sua não necessidade e incentivando as pesquisas cibernéticas rápidas e superficiais para que mais do tempo das pessoas seja gasto em entretenimento digital, cretinizando-as.

"Um mundo triste em que, como disse o sociólogo Neil Postman, eles vão se divertir até a morte. Um mundo no qual, através do acesso constante e debilitante ao entretenimento, eles aprenderão a amar sua servidão. Desculpe por não ser mais otimista." — Michel Desmurget, neurocientista em entrevista à BBC

O homem comum tem deixado nos depósitos empoeirados de seu subconsciente a ciência pueril com a qual se descobre na primeira infância o gosto plástico do braço de uma cadeira e que cadeiras de plástico não se comem.

Os bebês são cientistas natos. Eles estão sempre experimentando as coisas, descobrindo para que servem e como usá-las. Eles batem o brinquedo de encaixe até descobrirem um jeito de encaixá-lo com o mínimo de esforço possível. Por vezes eles afundam o queixo no peito, franzem a testa e fazem um bico entre as rechonchudas bochechas enquanto seguram a tampa do talco e a levam a boca, fazendo experimentações até descobrirem como usar aquilo, se tem gosto bom ou se dá para mastigar.

As crianças não se preocupam com o tempo, mas em como aprender sobre o funcionamento das coisas e aproveitar todo o seu potencial de uso. Elas aprendem a falar apenas ouvindo e observando o movimento dos lábios de seus pais o que demanda um tempo considerável de observação e outro tanto de prática pela tentativa e erro.

O homem comum precisa voltar aos degraus iniciais de sua vida e despertar o pueril e curioso pesquisador que um dia ele foi e reaprender a aprender até se tornar cada vez mais proativo em suas atividades porque o mundo precisa de pessoas proativas que apresentem soluções para os grandes e pequenos problemas da humanidade ao invés de ficarem o dia todo arrastando o dedo numa tela fria.

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