Sobre a necessidade humana de apreciar o belo

domingo, 17 de novembro de 2019

Sandro Botticelli - O nascimento de Vênus, 1483-85

Se eu encontro em mim um desejo que nenhuma experiência desse mundo possa satisfazer, a explicação mais provável é que eu fui feito para um outro mundo... Se nenhum dos meus prazeres terrenos é capaz de satisfazê-lo, isso não prova que o universo é uma fraude. Provavelmente os prazeres terrenos não têm o propósito de satisfazê-lo, mas somente de despertá-lo, de sugerir a coisa real. Se for assim, tenho de tomar cuidado para, por um lado, jamais desprezar ou ser ingrato em relação a essas bênçãos terrenas, e, por outro jamais confundi-lo com outra coisa, da qual elas não passam de um tipo de cópia, ou eco, ou miragem. (C. S. Lewis)

Todo ser humano possui uma necessidade de apreciar e contemplar a beleza, algo que podemos chamar de necessidade estética. Essa necessidade faz parte da nossa natureza e sem ela não seríamos humanos. Nós, naturalmente, desejamos o belo. Buscamos a perfeição das formas em todas as coisas e quando a encontramos — ou melhor, quando encontramos um eco ou miragem dessa perfeição — sentimos em nós um grande prazer, uma satisfação estética, pois tal coisa satisfaz um ou mais dos nossos sentidos, suprindo, ainda que momentaneamente, a nossa necessidade estética.

Comecei esse texto com uma citação de C. S. Lewis em que ele afirma que se existe um desejo no homem que nenhuma experiência humana pode satisfazer, a explicação mais provável é que o homem foi feito para um outro mundo. Parafraseando Lewis, se há em nós uma necessidade universal de apreciar a beleza das coisas e sentir o belo através dos nossos sentidos — ainda que de forma imperfeita e incompleta —, a razão mais provável é que há uma fonte universal de onde provém toda a beleza — a fonte da suprema beleza — capaz de satisfazer de forma completa e perfeita nossa necessidade estética.

Sobre essa fonte, também Lewis afirmou:

A coisa mais doce em toda minha vida tem sido o anseio de encontrar o lugar de onde toda a beleza veio. (C.S. Lewis)

Para Platão, a ideia do belo se apoia nos conceitos de perfeição e verdade. Para ele, a beleza existe em si mesma em um mundo perfeito que transcende o nosso mundo material e é absoluta e eterna, a verdadeira e perfeita beleza, a qual sofre a tentativa de ser copiada pelos objetos em nosso mundo material. Se há um lugar onde podemos encontrar a fonte universal de toda beleza, o qual Lewis ansiava encontrar, tal lugar é idêntico ao idealizado por Platão.

Assim, as artes — visuais, musicais, literárias, teatrais, esculturais, etc. —, cujas obras buscam apresentar em nosso mundo o ideal de beleza, suprem momentaneamente (incompleta e imperfeitamente) nossa necessidade estética, pois a beleza contida nas artes, assim como na natureza, é apenas uma sombra difusa da verdadeira e perfeita beleza, não conseguindo nos satisfazer de modo completo e perfeito. Ainda assim, esse é o único suprimento estético que temos em um mundo imperfeito e cheio de horrores como o mundo material.

Esse suprimento estético é a nossa válvula de escape das dores e horrores desse mundo imperfeito. É uma pequena ilha de ordem e paz em meio a um imenso oceano de caos. É para onde recorremos e podemos nos lembrar que há um lugar perfeito à nossa espera — se, como S. C. Lewis, considerarmos que as nossas insaciáveis necessidades, especialmente a estética, têm o propósito de nos mostrar que não fomos feitos para este mundo.

Desse modo, penso que o artista, independente de sua vertente artística, deve servir à humanidade como um arauto da perfeita e verdadeira beleza, como o foram Botticelli, Da Vinci, Michelangelo, Rembrandt, etc., nos proporcionando o prazer estético tão necessário aos seres humanos, criando pequenas bolhas de ar em um mundo sufocado pelo caos e o culto à feiura e nos tornando cada vez mais humanos a medida que nos suprimos do belo.

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