O pato

sábado, 25 de junho de 2011


Foi em julho.

Todas as escolas haviam entrado em recesso, incluindo a de Mateus, um buliçoso menino que acabara de completar dez anos, e Mariane, sua irmã mais nova, os quais, como de costume, foram passar as férias no sítio dos avós.

Ao chegarem na chácara, foi aquela festa: a avó dos meninos havia feito vários bolos de vários sabores, quindins, brigadeiros e muitos outros quitutes que encheriam os olhos de qualquer criança, além, é claro, de muitos abraços e beliscões nas bochechas rosadas dos dois, mesmo que eles não gostassem tanto dessa forma de carinho.

Após se empanturrarem com todas as guloseimas, o avó dos meninos deu a Mateus um presente pelo seu aniversário:

— Pegue, Mateus — disse o velho segurando um estilingue —, esse é o meu presente pra você. Eu mesmo fiz.

— Obrigado, vô! — Exclamou o menino radiante que logo correu para testar seu novo estilingue. A alegria foi tanta que ele nem viu quando derrubou um copo de suco no chão. Por sorte não estava cheio.

— Vovô, e o meu presente? — Perguntou Mariane bicuda.

— Mas não é seu aniversário, Mari — explicou o avô para a neta. — Prometo que quando você completar os oito anos eu te darei um presente também.

A menina não gostou da ideia de ter que esperar até o seu aniversário para receber o presente do avô, mas ficou calada e foi até a mesa beliscar um pé-de-moleque para disfarçar a cara feia. Depois de alguns minutos, ela seguiu para a varanda afim de ver o irmão brincar com o estilingue novo. Assim que Mariane cruzou a porta, ela viu Mateus correndo desesperado para uma pilha de galhos secos segurando algo em suas mãos que não era o estilingue, pois ele estava em seu bolso.

Curiosa, a menina foi até o irmão para saber o que estava acontecendo.

— Você assassinou o Haroldo, Mateus! — Berrou a menina surpresa ao ver que o irmão matara com uma estilingada o pato de estimação da avó.

— Fale baixo, Mariane — suplicou o menino chorando ao tapar a boca da irmã com a mão. — Não quero que a vovó saiba.

— Você assassinou o Haroldo — disse a menina ainda surpresa, porém, agora, em voz baixa.

— Eu não assassinei ninguém! — Advogou-se. — Eu estava tentando acertar o galho daquela árvore, mas não consegui, então resolvi voltar pra casa e vi o Haroldo passando na minha frente, ai eu atirei só pra espantar ele — completou o menino em prantos. — Eu não sabia que eu ia acertar a cabeça dele. Por favor, não conte pra vovó, Mari.

— Pode deixar, maninho — respondeu a menina com um sorriso astucioso.

No dia seguinte, depois do almoço, a avó das crianças pediu para que Mariane ficasse na cozinha e a ajudasse a lavar e guarda a louça, mas com o sorriso ardiloso do dia anterior a menina respondeu:

— Vovó, Mateus me disse mais cedo que queria ajudar a senhora na cozinha, não foi Mateus?!

O menino, que já se preparava para colocar o prato na pia e correr para brincar no quintal, sentiu o tom de ameaça da irmã e, com medo de ser dedurado por ela, respondeu com um triste sim e completou:

— É verdade, vovó.

— Está bem, Mateus — consentiu a avó. — Você me ajudará, então.

Mais tarde, naquele mesmo dia, o avô das crianças perguntou se elas queriam ir no açude, pescar alguns peixes para o jantar.

— Sim! — Exclamaram os meninos fazendo a maior folia.

— Certo, mas quem vai ficar pra descascar as batatas e me ajudar a preparar a janta — interrompeu a avó.

— Mariane fica, vovó — respondeu Mateus prontamente. — Lugar de menina é na cozinha, além disso é preciso ter força no braço pra segurar o peixe no anzol.

— Mas você não tinha me dito que gostou de ajudar a vovó e que iria ajudar ela a fazer a janta, Mateus?! — Insinuou Mariane.

O semblante de Mateus imediatamente ficou entristecido e o menino respondeu:

— É verdade. Eu ajudo a senhora, vovó.

Durante todo aquele mês de julho foi assim: Mariane sempre coagia o irmão a fazer o serviço pesado enquanto ela se divertia, até que, certo dia, ele não aguentou mais e foi até a avó confessar o seu crime:

— Vovó, eu cometi um crime — disse o menino esvaindo-se em lágrimas. — Eu matei o Haroldo com o estilingue que o vovô me deu de presente e escondi ele nos galhos secos.

A avó do menino, completamente comovida com o neto, o abraçou e disse:

— Eu sei, querido. Naquele dia eu tinha ido até a cozinha buscar um pano de chão para limpar o suco que alguém havia derramado na sala e vi pela janela o que aconteceu.

— A senhora sabia esse tempo todinho?

— Sim, mas eu não disse nada porque você também não falou nada — respondeu a senhora. — Confesso que estou sentindo falta do grasnado engraçado que o Haroldo tinha — completou a avó do menino com uma risada saudosista —, mas aquele velho pato já estava mesmo caduco e perto de morrer.

— Me perdoa, vovó? — Suplicou o jovem penitente abraçando forte a cintura de sua avó.

— Claro que sim, querido! Em meu coração eu já tinha perdoado você.

Depois de ter confessado o seu crime, Mateus nunca mais se deixou ser coagido por sua irmã, pois aprendera que para se receber perdão é necessário primeiro haver confissão.

Inspirado em "O menino e o pato", de autoria desconhecida.

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